quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

As histórias de Mullah Nasrudin



Um dos personagens sufis que mais aprecio é o Mullah Nasrudin. Sua sabedoria prática, e, ao mesmo tempo, profunda, tal qual a dos mestres zen e seus koans, mostrando que a verdade é um óbvio ululante.

A felicidade não está onde se procura

Nasrudin encontrou um homem desconsolado sentado à beira do caminho e perguntou-lhe os motivos de tanta aflição.

“Não há nada na vida que interesse, irmão”, disse o homem. “Tenho dinheiro suficiente para não precisar trabalhar e estou nesta viagem só para procurar algo mais interessante do que a vida que levo em casa. Até agora, eu nada encontrei.”

Sem mais palavra, Nasrudin arrancou-lhe a mochila e fugiu com ela estrada abaixo, correndo feito uma lebre. Como conhecia a região, foi capaz de tomar uma boa distância.

A estrada fazia uma curva e Nasrudin foi cortando o caminho por vários atalhos, até que retornou à mesma estrada, muito à frente do homem que havia roubado. Colocou a mochila bem do lado da estrada e escondeu-se à espera do outro.

Logo apareceu o miserável viajante, caminhando pela estrada tortuosa, mais infeliz do que nunca pela perda da mochila. Assim que viu sua propriedade bem ali, à mão, correu para pegá-la, dando gritos de alegria.

“Essa é uma maneira de se produzir felicidade”, disse Nasrudin.

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Como Nasrudin criou a verdade

“Estas leis não tornam melhores as pessoas”, disse Nasrudin ao Rei; “elas devem praticar certas coisas de forma a sintonizarem-se com a verdade interior, que se assemelha apenas levemente à verdade aparente.”

O Rei decidiu que poderia fazer que as pessoas observassem a verdade – e o faria. Ele poderia fazê-las praticar a autenticidade.

O acesso a sua cidade era feito por uma ponte, sobre a qual o Rei ordenou que fosse construída uma forca.

Quando os portões foram abertos ao alvorecer do dia seguinte, o Capitão da Guarda estava postado à frente de um pelotão para averiguar todos os que ali entrassem.

Um édito foi proclamado: “Todos serão interrogados. Aquele que falar a verdade terá seu ingresso permitido. Se mentir, será enforcado.”

Nasrudin deu um passo à frente.

“Aonde vai?”

“Estou a caminho da forca”, respondeu Nasrudin calmamente.

“Não acreditamos em você!”

“Muito bem, se estiver mentindo, enforquem-me!”

“Mas se o enforcarmos por mentir, faremos com que aquilo que disse seja verdade!”

“Isso mesmo: agora sabem o que é a verdade: a sua verdade!”

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Os melhores conselhos

Nasrudin começou a construir uma casa : seus amigos, que tinham cada um sua própria casa, e eram carpinteiros, pedreiros, o rodearam de conselhos. Mullá estava radiante. Um após outro, e às vezes todos juntos, disseram-lhe o que fazer. Nasrudin seguia docilmente as instruções que cada um lhe dava.

Quando a construção terminou, ela não se parecia em nada com uma casa.

- Que curioso! – disse Nasrudin – e contudo eu fiz exatamente aquilo que cada um de vocês me tinha dito para fazer!

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O barco e o homem letrado

Em dada ocasião, Nasrudin estava em um barco com um homem letrado, quando o Mullá disse algo que contrariava as regras gramaticais:

- Você nunca estudou gramática? – perguntou o estudioso.

- Não, nunca – respondeu Nasrudin.

- Nesse caso, metade de sua vida se perdeu – retrucou o outro.

Nasrudin ficou em silêncio durante algum tempo, quando finalmente falou:

- Você nunca aprendeu a nadar? – disse o Mullá ao homem letrado.

- Não, nunca – este respondeu.

- Então, nesse caso, toda a sua vida se perdeu. Estamos afundando.

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O anúncio

Nasrudin postou-se na praça do mercado e dirigiu-se à multidão:

“Ó povo deste lugar! Querem conhecimento sem dificuldade, verdade sem falsidade, realização sem esforço, progresso sem sacrifício?”

Logo juntou-se um grande número de pessoas, com todo mundo gritando: “Queremos, queremos!”

“Excelente!”, disse o Mullá. “Era só para saber. Podem confiar em mim, que lhes contarei tudo a respeito, caso algum dia descubra algo assim.”

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Há mais luz por aqui

Alguém viu Nasrudin procurando alguma coisa no chão.

“O que é que você perdeu, Mullá?”, perguntou-lhe

“Minha chave”, respondeu o Mullá.

Então, os dois se ajoelharam para procurá-la.

Um pouco depois, o sujeito perguntou:

“Onde foi exatamente que você perdeu esta chave?”

“Na minha casa.”

“Então por que você está procurando por aqui?”

“Porque aqui tem mais luz.”

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O Tolo que era Sábio

Todos os dias o Mullah Nasrudin ia esmolar na feira, e as pessoas adoravam vê-lo fazendo o papel de tolo, com o seguinte truque:

Mostravam duas moedas, uma valendo dez vezes mais que a outra. Nasrudin sempre escolhia a menor. A história correu pelo condado.

Dia após dia, grupos de homens e mulheres mostravam as duas moedas, e Nasrudin sempre ficava com a menor. Até que apareceu um senhor generoso, cansado de ver Nasrudin sendo ridicularizado daquela maneira. Chamando-o a um canto da praça, disse:

- Sempre que lhe oferecerem duas moedas, escolha a maior. Assim terá mais dinheiro e não será considerado idiota pelos outros.

Nasrudin lhe respondeu:

- O senhor parece ter razão, mas se eu escolher a moeda maior, as pessoas vão deixar de me oferecer dinheiro, para provar que sou mais idiota que elas. O senhor não sabe quanto dinheiro já ganhei, usando este truque.

E cheio de sabedoria acrescentou:

- Não há nada de errado em se passar por tolo, se na verdade o que você está fazendo é inteligente. Às vezes, é de muita sabedoria se passar por tolo e é muito melhor passar por tolo e ser inteligente do que ter inteligência e usar fazendo tolices.

“Os sábios não dizem o que sabem, os tolos não sabem o que dizem!”

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O sermão de Nasrudin

Certo dia, os moradores do vilarejo quiseram pregar uma peça em Nasrudin. Já que era considerado uma espécie meio indefinível de homem santo, pediram-lhe para fazer um sermão na mesquita.

Ele concordou.

Chegado o tal dia, Nasrudin subiu ao púlpito e falou:

“Ó fiéis! Sabem o que vou lhes dizer?”

“Não, não sabemos”, responderam em uníssono.

“Enquanto não saibam, não poderei falar nada. Gente muito ignorante, isso é o que vocês são. Assim não dá para começarmos o que quer que seja”, disse o Mullá, profundamente indignado por aquele povo ignorante fazê-lo perder seu tempo.

Desceu do púlpito e foi para casa.

Um tanto vexados, seguiram em comissão para, mais uma vez, pedir a Nasrudin fazer um sermão na Sexta-feira seguinte, dia de oração.

Nasrudin começou a pregação com a mesma pergunta de antes.

Desta vez, a congregação respondeu numa única voz:

“Sim, sabemos”.

“Neste caso”, disse o Mullá, “não há porque prendê-los aqui por mais tempo. Podem ir embora.” E voltou para casa.

Por fim, conseguiram persuadi-lo a realizar o sermão da Sexta-feira seguinte, que começou com a mesma pergunta de antes.

“Sabem ou não sabem?”

A congregação estava preparada.

“Alguns sabem, outros não.”

“Excelente”, disse Nasrudin, “então, aqueles que sabem transmitam seus conhecimento para àqueles que não sabem.”

E foi para casa.

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