sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Poética



De manhã escureço

De dia tardo

De tarde anoiteço

De noite ardo.


A oeste a morte

Contra quem vivo

Do sul cativo

O este é meu norte.


Outros que contem

Passo por passo:

Eu morro ontem

Nasço amanhã

Ando onde há espaço:


Meu tempo é quando.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O Poeta descrito por Baudelaire


Bênção

Quando, por uma lei das supremas potências,
O Poeta se apresenta à platéia entediada,
Sua mãe, estarrecida e prenhe de insolências,
Pragueja contra Deus, que dela então se apiada:

– “Ah! tivesse eu gerado um ninho de serpentes,
Em vez de amamentar esse aleijão sem graça!
Maldita a noite dos prazeres mais ardentes
Em que meu ventre concebeu minha desgraça!

Pois que entre todas neste mundo fui eleita
Para ser o desgosto de meu triste esposo,
E ao fogo arremessar não posso, qual se deita
Uma carta de amor, esse monstro asqueroso,

Eu farei recair teu ódio que me afronta
Sobre o instrumento vil de tuas maldições,
E este mau ramo hei de torcer de ponta a ponta,
Para que aí não vingue um só de seus botões!”

E rumina assim todo o ódio que a envenena,
E, por nada entender dos desígnios eternos,
Ela própria prepara ao fundo da Geena
A pira consagrada aos delitos maternos.

Sob a auréola, porém, de um anjo vigilante,
Inebria-se ao sol o infante deserdado,
E em tudo o que ele come ou bebe a cada instante
Há um gosto de ambrosia e néctar encarnado.

Às nuvens ele fala, aos ventos desafia
E a via-sacra entre canções percorre em festa;
O Espírito que o segue em sua romaria
Chora ao vê-lo feliz como ave da floresta.

Os que ele quer amar o observam com receio,
Ou então, por desprezo à sua estranha paz,
Buscam quem saiba acometê-lo em pleno seio,
E empenham-se em sangrar a fera que ele traz.

Ao pão e ao vinho que lhe servem de repasto
Eis que misturam cinza e pútridos bagaços;
Hipócritas, dizem-lhe o tato ser nefasto,
E se arrependem por lhe haver cruzado os passos.

Sua mulher nas praças perambula aos gritos:
“Pois se tão bela sou que ele deseja amar-me,
Farei tal qual os ídolos dos velhos ritos,
E assim, como eles, quero inteira redourar-me;

E aqui, de joelhos, me embebedarei de incenso,
De nardo e mirra, de iguarias e licores,
Para saber se desse amante tão intenso
Posso usurpar sorrindo os cândidos louvores.

E ao fatigar-me dessas ímpias fantasias,
Sobre ele pousarei a tíbia e férrea mão;
E minhas unhas, como as garras das Harpias,
Hão de abrir um caminho até seu coração.

Como ave tenra que estremece e que palpita,
Ao seio hei de arrancar-lhe o rubro coração,
E, dando rédea à minha besta favorita,
Por terra o deitarei sem dó nem compaixão!”

Ao Céu, de onde ele vê de um trono a incandescência,
O Poeta ergue sereno as suas mãos piedosas,
E o fulgurante brilho de sua vidência
Ofusca-lhe o perfil das multidões furiosas:

– “Bendito vós, Senhor, que dais o sofrimento,
Esse óleo puro que nos purga as imundícias
Como o melhor, o mais divino sacramento
E que prepara os fortes às santas delícias!

Eu sei que reservais um lugar para o Poeta
Nas radiantes fileiras das santas Legiões,
E que o convidareis à comunhão secreta
Dos Tronos, das Virtudes, das Dominações.

Bem sei que a dor é nossa dádiva suprema,
Aos pés da qual o inferno e a terra estão dispersos,
E que, para talhar-me um místico diadema,
Forçoso é lhes impor os tempos e universos.

Mas nem as jóias que em Palmira reluziam,
As pérolas do mar, o mais raro diamante,
Engastados por vós, ofuscar poderiam
Este belo diadema etéreo e cintilante;

Pois que ela apenas será feita de luz pura,
Arrancada à matriz dos raios primitivos,
De que os olhos mortais, radiantes de ventura,
Nada mais são que espelhos turvos e cativos!”


II

O Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado no chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

(Charles Baudelaire - tradução de Ivan Junqueira)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Pátria Minha



A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Inverno (em pleno verão)





No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar
até sumir

De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço
longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial
Há algo
que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia
mesmo
O leão que sempre cavalguei
Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre
me quis só
no deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco
embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o
céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se
assombrar.
No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no
seu olhar até sumir

De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase
glacial
Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei
Lá mesmo esqueci que o
destino
Sempre me quis só
no deserto sem saudade, sem remorso só
Sem
amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me
lembrar
Que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.
Não sei o que em mim
Só quer me
lembrar
Que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.
Não sei o que em mim
Só quer me
lembrar
Que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.
No dia em que fui mais
feliz...


(Adriana Calcanhoto)

Deuses



Alguma dúvida? Somos templo de Deus, Ele habita em nós, e anda entre nós. O Santo, o Sublime, o Altíssimo, o Deus de Amor, consente em viver dentro da gente... O Santo, Santo, Santo... assim, cuidemos desse templo, vivamos de forma digna a abrigar a própria Divindade em nós.

Temos internamente o "Gênio da Lâmpada" em nós, para que profetas e adivinhos? O Onisciente está em nós. Para que recorrer a auxílio de outrem, se o Onipotente está conosco? Para onde fugir de sua face, se ele está em nós?

As realizações mentais, emocionais, místicas e comportamentais dessa verdade, dessa crença de fé cristã, são de longo alcance e devem ser destiladas, meditadas, vividas e realizadas. O verdadeiro Samadhi e iluminação cristã é realizar essa Divindade viva em nós e andar no Espírito da verdade em nós.

Nada mais a dizer... este é o misticismo cristão. Deus está em nós. Cristo vive em nós. A Bíblia está sobejando desta revelação, desta boa nova. Cristo em vós, esperança da glória. "Cristo vive em mim", diz Paulo. Essa é a novidade do Novo Testamento, Deus em nós, seu Espírito da verdade em nossos corações. Temos o Rei na barriga, o Filho de Deus em nós. Por isso "somos deuses", somos "reis e sacerdotes", à imagem e semelhança do Deus dos deuses, do Rei dos Reis e Senhor dos Senhores... Por isso Cristo disse: "E fareis obras maiores do que estas, porque vou para o meu Pai". E ele disse: "Eu sou a videira verdadeira, vós os ramos. Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como o ramo nada pode fazer sem estar ligado à videira, assim também vós... Sem mim nada podeis fazer..."

Realizemos esta verdade, pois a centelha divina, o Espirito indestrutível, está em nós, e é nosso sal que nos conserva, nossa salvação, o penhor, a garantia de nossa imortalidade.


quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A luz de Tieta


Todo dia é o mesmo dia A vida é tão tacanha Nada novo sobre o sol Tem que se esconder no escuro Que na luz se banha Por debaixo do lençol Nessa terra a dor é grande A ambição pequena Carnaval e futebol Quem não finge, quem não mente Quem mais goza é pena É quem serve de farol Existe alguém em nós Em muito dentro de nós esse alguém Que grita mais do que milhões de sós Que na escuridão conhece também Existe alguém aqui Fundo no fundo de você de mim Que grita para quem quiser me ouvir Quanto canta assim Toda noite é a mesma noite A vida é tão estreita Nada de louvor ao luar Todo mundo quer saber Com quem você se deita Nada pode prosperar É Domingo, é Fevereiro É sete de Setembro Futebol e carnaval Nada muda tudo escuta Até onde eu me lembro Meu batuque é sempre igual Existe alguém em nós Em muito dentro de nós esse alguém Que grita mais do que milhões de sós Que na escuridão conhece também Existe alguém aqui Fundo no fundo de você de mim Que grita para quem quiser me ouvir Quanto canta assim Êta, êta, êta, êta É a lua, é o sol É a luz de Tieta, êta, êta